Por que resolvi trabalhar com a 1ª Infância?

Renata Chilvarquer Citron
4 min readJul 26, 2020

Essa semana fiz uma live com o Museu Judaico de São Paulo e me impressionei com o feedback positivo que tive dos dados que compartilhei. Como aparentemente nem minha própria família sabia das minhas motivações pra trabalhar com a 1ª infância, achei que valia trazer luz aos highlights da entrevista pra mais gente. ;)

Compartilho a seguir algumas perguntas que o meu parceiro da live, @Rudi Solon, me fez:

  1. Pq resolvi trabalhar com 1ª infância?

Quando voltei do meu mestrado em educação em Stanford, queria trabalhar diretamente com um problema de desigualdade social brasileiro. Estudando o mercado e as teses de investidores especializados em educação (Imaginable Futures, fundo de investimento de impacto do fundador do Ebay), descobri a oportunidade e desafio IMENSOS da 1ª infância.

Primeiro me surpreendi com o dado estarrecedor de que 90% da arquitetura cerebral se desenvolve até os 5 anos de idade. Ou seja, essa é a nossa “maior janela de oportunidade” de aprendizado: as experiências que temos nesses primeiros anos vão determinar grande parte do nosso potencial de aprendizado pro resto da vida, e quem não tiver acesso a estímulos de qualidade nessa idade, pode ter sua capacidade cognitiva comprometida pra toda vida. A imagem abaixo descreve visualmente essa janela de oportunidade na formação das novas sinapses:

Falo que isso é o “segredo mais bem guardado da 1ª infância” porque pouquíssima gente sabe disso apesar de um Nobel da Economia (James Heckman) ter provado há 20 anos que o investimento na 1ª infância é o que traz os maiores retornos pra sociedade, tanto em termos de diminuição de gastos com evasão escolar e até encarceramento futuro.

Entendida a relevância do estímulo nessa fase, descobri que 65% das crianças não têm acesso a creches no Brasil. Pior, justamente quem mais precisa desse acesso, é justamente quem não consegue a vaga na creche: as classes D e E (Explico mais sobre isso no artigo no Nexo — Desigualdade que vem de berço). Ou seja, me convenci que ao trabalhar em expandir o acesso a estímulos de qualidade na 1ª infância, poderia mexer diretamente em um dos principais drivers da desigualdade social no Brasil e abracei essa causa.

Quais são as melhores práticas internacionais na 1ª infância?

Uma das referências mais emblemáticas na educação infantil é a cidade de Reggio Emilia, na Itália que representa na essência o conceito de “it takes a village to raise a child”, tendo se transformado em referência de cidade educadora no pós 2ª Guerra. Lá as crianças são protagonistas e levadas tão a sério que até a cortina do teatro municipal é feita por elas. A cidade é pensada com as crianças no centro e todos os adultos na comunidade são considerados também educadores.

Além de Reggio, as principais referências de modelos educacionais vem dos países nórdicos (sendo a Finlândia, Suécia, Noruega os top 3 países com os melhores sistemas de educação infantil do mundo), por terem sido capazes de universalizar a educação infantil e garantir altos índices de qualidade com uma barra alta na formação de educadores, um bom currículo e alto engajamento das famílias.

Chamo atenção também para modelos alternativos que permitiram o aumento do acesso a soluções de educação infantil como o modelo de home-based daycare, em que um educador treinado e certificado pode receber em sua casa um número reduzido de bebês ou crianças pequenas (geralmente de 1 a 5 crianças). Nos EUA esse modelo abrange 65% da oferta de daycare, na Dinamarca 40% e na França 30%. Também falo mais desse modelo nesse artigo no Nexo.

O que e como a criança aprende nesses primeiros anos?

O ser humano é essencialmente social em seu aprendizado. Isso significa que aprendemos primordialmente pela interação com as experiências de interação com outros: através do vínculo com os adultos de referência (geralmente nossos pais). Recentemente, inclusive, a OMS mudou seu protocolo sobre como promover o desenvolvimento de crianças de 0 a 3 anos, enfatizando a questão do vínculo como essencial para nossa sobrevivência . Isso significa que a forma como o bebê vai construir as sinapses dessa arquitetura cerebral dele é justamente através do “jogo de ação e reação” com o adulto. Ou seja, o que as crianças precisam para aprender é do tempo de qualidade de seus adultos de referência para construir esse vínculo e ajudá-los a desvendar o mundo.

Pra quem quiser acompanhar o resto da entrevista e outros temas que compartilhei, pode ver a entrevista completa nesse link:

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