5780: ano de reset, falta de controle e gratidão

Renata Chilvarquer Citron
4 min readSep 19, 2020

Hoje é Rosh Hashaná, início do ano judaico de 5781. Apesar de não ser muito ativa nas tradições no dia-a-dia, amo os rituais judaicos por promoverem a reflexão e a reconexão com as nossas raízes, especialmente esse. Nesse período até o Yom Kipur, devemos refletir sobre o que foi nosso ano, pedir perdão e selar um novo compromisso pra sermos nossas melhores versões no próximo ano.

Ontem meu sogro me perguntou quais foram meus aprendizados desse ano tão intenso e parei pra pensar que nesse furacão de Covid, não tinha parado de fato para refletir e sintetizar o que foi esse último ano, especialmente esses últimos meses. Então aí vai meu exercício:

  • Reset e repactuações:

Esse ano foi bem difícil pra mim. Foi um ano de parar, “resetar” e repactuar comigo mesma minha missão nesse mundo.

De certa forma, poderia dizer que “perdi” tudo, já que fui obrigada a parar o que vinha trabalhando incessantemente nos últimos 2 anos, chegando à conclusão que não era uma parada temporária, mas um ponto final no modelo do Cantinho. Desmontamos unidades, despedimos pessoas que adorávamos, nos desvinculamos das nossas mulheres inspiradoras que montaram seus Cantinhos, e as deixamos livres para seguir suas vidas. Perdemos uma pessoa maravilhosa da nossa rede para a violência (Wagner, um dos nossos empreendedores que tinha acabado de lançar o seu Cantinho com a esposa, e foi assassinado), que selou a irreversibilidade das perdas e que, com certeza, foi a mais dolorida.

Por outro lado, todas essas perdas me trouxeram a oportunidade de repactuar comigo e redefinir meu compromisso com o que estava fazendo. Sabendo que não mais poderia trabalhar com educação na primeira infância e baixa renda, qual das duas escolher? Se ficasse sozinha nessa jornada, continuaria mesmo assim? Se meus investidores desistissem, continuaria? Fui colocada à prova em todas essas dimensões e decidi que continuaria, e que encontraria um novo modelo na educação infantil que pudesse impactar primeiro quem valoriza mais educação (hoje uma renda superior), pra depois encontrar meu caminho de volta para baixa renda.

  • Gratidão e ciência dos privilégios:

Com certeza um dos maiores aprendizados de todo esse ano é a gratidão de ter o privilégio do poder de escolha.

E sou eternamente grata pelo que tenho acesso, família, rede de apoio, investidores, pessoas que confiam em mim e me impulsionam a seguir pelo caminho que fizer mais sentido pra mim. Sem contar com os elementos tangíveis que todo esse acesso me dá oportunidade: trabalhar de qualquer lugar, com boa Internet, com comida na mesa e todas as facilidades pra focar no trabalho.. e é justamente esse poder de escolha que sou tão grata, que gostaria tanto de democratizar nesse Brasil tão desigual que vivemos.

  • Controle e falta de controle:

Se me dissessem que ia ficar 6 meses dentro de casa, com total falta de controle sobre as variáveis externas no mundo, mas total controle sobre o recurso do tempo (que antes era o mais escasso), o que faria? Ainda sinto que estamos vivendo num filme surreal com tudo isso, mas minha jornada com esse controle e falta de controle já passou e continua passando por altos e baixos muito intensos. No começo me desesperei, quando entendi que estávamos presos e não podia definir quando iríamos voltar pra tomar decisões importantes na vida. Depois me animei, vendo isso como oportunidade — fiz metas, achei que ia dançar mais, que ia ler mais, que usaria o tempo pra reinventar o Cantinho e focar super no meu desenvolvimento pessoal. Que não rolou tanto assim.. Agora estou mais consciente, entendi que o controle no final não é tão essencial, e que a flexibilidade pra reinvenção e pra definir novas prioridades é mais relevante do que o controle em si..

  • A angústia e a resposta da angústia dentro de você

Finalmente, esse ano de confinamento e de reset me trouxeram a percepção muito mais clara de que, independente do que está rolando fora, a resposta para como vou lidar com tudo isso está dentro de mim. Antes pensava que minha angústia tinha a ver com o ritmo acelerado de cidade grande, as longas distâncias que percorria em SP, as cobranças pra crescer rápido, abrir novas unidades, etc. Hoje, sem todas essas perturbações externas, e com a possibilidade de ter passado tempos em contextos mais e menos confortáveis e ainda assim carregar a angústia para a praia, para o campo, sei que realmente o que falam de “it’s all in your head” é real demais. Agora estou escrevendo muito mais, desenhando minhas ideias e buscando as respostas pra lidar com as aflições dentro de mim..

Cenário praiano onde passei alguns meses da quarentena

Relendo tudo isso, parece que virou um texto de auto-ajuda, heheh.., mas talvez Dalai Lama estava certo afinal: “se você quer mudar o mundo, primeiro você começa mudando a si mesmo”.. acho que o Covid e esse ano maluco nos ajudaram a “parar o mundo” para que fôssemos obrigados a olhar para nós sem a movimentação e as distrações externas. E eu reforço minha gratidão por poder escolher me dedicar a isso.

Feliz 5781, por mais boas reflexões e aprendizados!

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